Receita aplica multas de até R$ 10 milhões em 'guerra' contra artistas da Globo

Por: Vinícius Andrade
Fonte: Uol
Em um novo episódio da devassa que tem feito nos acordos de artistas que
mantiveram contratos como PJ (pessoa jurídica) com a Globo nos últimos
anos, a Receita Federal aplicou multa de R$ 10 milhões em uma das atrizes
investigadas. Agora, o órgão do governo federal ampliou a ofensiva e
passou a fiscalizar vínculos de autores e diretores.
Ao Notícias da TV, o advogado tributarista Leonardo Pietro Antonelli, que
representa a maior parte das celebridades nessa ação, defende que as
multas aplicadas pela Receita são um exemplo de confisco tributário e
explica que tem atuado na tentativa de cancelar essas cobranças.
"A discussão travada pela Receita é que o artista estaria usando uma
empresa (pessoa jurídica) para economizar o imposto de renda de 27,5%.
Mas as empresas dos atores ofereceram à tributação de todas as suas
receitas: pagaram PIS, Cofins, Imposto de Renda Pessoa Jurídica e
contribuição sobre o lucro, ISS que, juntos, podem chegar a 20%. Então,
com todo o respeito à Receita Federal, entendemos que todos os tributos
devidos já foram pagos na pessoa jurídica (leia-se, empresa). Cobrar tudo
de novo na [pessoa] física é estar cobrando duas vezes pelo mesmo
serviço", aponta o tributarista.
A defesa dos artistas entrou com um recurso administrativo na própria
Receita Federal. Durante esse processo, não existe a necessidade do
pagamento das multas aplicadas. Em alguns casos, os valores ultrapassam
R$ 10 milhões.
"Se esse ator teve uma participação nos resultados (lucros) da sua empresa
de R$ 150 mil por mês nos últimos seis anos, o cálculo bate: a Receita
Federal cobra o imposto de renda de 27,5% (mensal), acrescido de uma
multa de 150%, mais o juro Selic. Parece-me um exemplo clássico de
confisco tributário, pois tudo aquilo que o artista recebeu está sendo
cobrado de volta (27,5% + 150% de multa + juros)", explica Antonelli.
Nessas ações, a Receita tenta condenar a "pejotização", relação de trabalho
que o próprio órgão do governo federal reconhece como "comum". Pela lei
brasileira, "os serviços intelectuais, de natureza artística ou cultural, em
caráter personalíssimo, sujeitam-se ao regime de tributação de pessoas
jurídicas".
Também são investigados autores, diretores e jornalistas. Em abril, o
colunista Ricardo Feltrin, do UOL, antecipou com exclusividade que o
âncora William Bonner e outros 20 profissionais que prestam serviços para
a Globo foram atuados. A líder de audiência é o principal alvo da operação
contra a "pejotização", que também já atingiu jornalistas de Record, SBT e
CNN Brasil.
O tributarista Leonardo Antonelli classifica o entendimento da Receita
Federal em relação aos contratos PJ como equivocados:
“Sob a ótica da fiscalização, o contribuinte, seja ele ator, autor, diretor ou
até mesmo jornalista, não poderia se valer de uma pessoa jurídica para
prestar serviços. Essa visão, como dito equivocada, desconsiderada que a
lei autoriza a prestação de serviços artísticos, culturais e intelectuais,
através de empresa
(leia-se, pessoa jurídica). É um retrocesso tributário se compararmos aos
outros países, especialmente os Estados Unidos, onde a reforma tributária
implementada pelo Donald Trump (Tax Act) fixou uma tributação uniforme
para todas as empresas (flat rate), incentivando a pejotização e
formalização.
A defesa mantém sob sigilo os nomes de quem já recebeu as notificações
de pagamento, mas na lista de investigados estão celebridades como
Deborah Secco, Reynaldo Gianecchini, Malvino Salvador e Maria Fernanda
Cândido.
Receita Federal x Globo
Nas autuações enviadas aos artistas da Globo, a Receita Federal afirma que
há um conluio "propositado e previamente planejado para fim da prática
de uma ilicitude". Insinua existir uma associação criminosa constituída para
"lesar toda a sociedade", concluindo que a pejotização "precariza as
relações de trabalho e humanas, degrada o ambiente laboral, enfraquece
direitos trabalhistas e a própria dignidade da pessoa humana".
A Receita encaminhou as investigações ao Ministério Público Federal, sob a
alegação de crimes contra a ordem financeira. "Não bastasse o artista ser
obrigado a devolver mais do que recebeu nos últimos cinco anos, ainda
poderá ser processado criminalmente e quiçá condenado à prisão. Parece
uma novela mexicana de ficção", lamenta Antonelli, que classifica a ação
como um exemplo de "insegurança jurídica" do país.
A Globo, que nos últimos anos passou a trocar contratos de jornalistas,
executivos e apresentadores de PJ para CLT, diz que os seus acordos são
legais e que todos os impostos são pagos.
"Todas as formas de contratação praticadas pela Globo estão dentro da lei,
e todos os impostos incidentes são pagos regularmente. Assim como
qualquer empresa, a Globo e as empresas que lhe prestam serviços são
passíveis de fiscalizações, tendo garantido por lei também o direito de
questionar, em sua defesa, possíveis cobranças indevidas do fisco",
sustenta a emissora, em nota.
Em agosto do ano passado, a Receita Federal explicou à reportagem que
fiscaliza a chamada "pejotização" em inúmeros setores econômicos, mas
que não poderia detalhar as ações em razão do sigilo fiscal.
Pejotização
Para ter um vínculo como PJ, o profissional abre uma empresa em seu
nome, e essa passa a prestar serviço para a contratante. Ao contrário do
regime com carteira assinada, esse modelo não dá direito a benefícios como
férias remuneradas, 13º salário, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço), seguro do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e segurodesemprego.
No caso de artistas e alguns jornalistas, a vantagem de ser contratado como
uma "empresa" é a possibilidade de vincular ao contrato ganhos com
publicidade e merchandising, que são devidamente declarados.
"Tanto um ator quanto um atleta pode ceder o seu direito de imagem
através de sua pessoa jurídica. Os chamados globais, assim como muitos
atletas, são verdadeiras máquinas de cessão de imagem. Outros, produzem,
atuam em teatros e mídias diversas. Vejam o sucesso da Giovanna Ewbank
nas mídias sociais. A sua receita [fora da emissora] é maior do que a maioria
dos atores. Tolher isso vai contra a simplificação de uma atividade que
transcende a mídia
televisiva. Hoje prevalece o artista multimídia", defende Antonelli.
A pessoa física é taxada em até 27,5% do Imposto de Renda, além do INSS.
E a jurídica recolhe, ao todo, de 6% a 16%, dependendo da atividade e do
faturamento. O advogado tributarista destaca que, apesar da taxação sobre
a renda ser inferior, o contratado como PJ não tem os benefícios
trabalhistas e ainda arca com outros impostos empresariais para a União,
que já foram pagos ao longo dos anos.